Mostrando postagens com marcador Gilvander. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Gilvander. Mostrar todas as postagens

domingo, 21 de junho de 2009

Presença de Dom Walmor


Prof Fábio Alves e frei Gilvander Moreira*



Sábado, de 20 de junho de 2009, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo da Arquidiocese de Belo Horizonte, fez uma visita à comunidade (Ocupação) Dandara, no Céu Azul, na região Nova Pampulha, em Belo Horizonte, MG. Acompanhado dos Vigários Episcopais, Padre Júlio Amaral e Padre Ademir Ragazzi, e de outros padres e religiosos, além de professores da PUC Minas, o arcebispo dom Walmor percorreu todo o acampamento. Caminhou por todos os becos, entre as 1.087 barracas de lona-preta, visitou a horta comunitária, viu a primeira casinha construída com adobe. Ouviu atentamente o relato da luta da comunidade por moradia popular
e dignidade. Entoou hinos religiosos e abençoou a todas as 1.087 famílias sem-casa e sem-terra acampadas e todos aqueles que lhes são solidários.
Na sua mensagem de solidariedade, Dom Walmor sublinhou a imperiosa necessidade de todos terem, nesta caminhada, Deus como luz e força. Disse que a exclusão e injustiça que a tantos marginalizam mundo afora, se dá porque os que praticam a injustiça não têm Deus como luz. Relembrou que a Igreja Católica de Belo Horizonte, desde o início do acampamento, está presente nos diversos serviços prestados pelo Vicariato de Ação Social e Política, pela Região Episcopal, pela Paróquia N. Sra. Imaculada Conceição, pela PUC Minas (que defende juridicamente a Ocupação e pelo grupo de arquitetos (professores e estudantes) que elaboram o Projeto de assentamento rururbano para a área, pelas congregações religiosas e tantos leigos que graciosamente participam da grande rede de solidariedade ao povo empobrecido de Dandara.
Dom Walmor ressaltou que a Igreja deve ficar ao lado dos pobres e sofredores. Cada um deve fazer um pouco, como está ocorrendo neste caso. O próprio Arcebispo tem feito a sua parte. Chegou a conversar com o Prefeito Márcio Lacerda pedindo-o que se abra ao diálogo. É neste diapasão que o trabalho de solidariedade vai continuar.

Em entrevista à rádio Itatiaia, lá na ocupação Dandara, Dom Walmor recordou também a Doutrina Social da Igreja que recomenda aos cristãos a defesa da dignidade humana, o que inclui, é claro, a luta por moradia e pelos direitos humanos. A doutrina social não defende uma propriedade que não cumpre sua função social. Segundo a Constituição Federal, de 1988, uma propriedade tem que cumprir sua função social, senão deixa de ser legítima.
Cabe recordar que o terreno ocupado pelas 1.087 famílias sem-casa e sem-terra da
comunidade Dandara compreende cerca de 400 mil metros quadrados (= 40 hectares) que há mais de trinta anos está abandonado, não cumprindo sua função social. A Construtora Modelo que reivindica na justiça o terreno tem, junto com sua co-irmã, a Construtora Lótus, 2.577 processos na justiça (isso só na comarca de Belo Horizonte e Betim), figurando na maioria como ré. E deve mais de 2 milhões de reais de IPTU à prefeitura de Belo Horizonte.
Um grupo de crianças da comunidade Dandara, em agradecimento pela confortante visita, ofereceu a Dom Walmor obras do artesanato local, uma camiseta da comunidade e um saquinho com terra da área que ocupam. Dom Walmor também recebeu de presente jornal e uma Revista do MST.
Dom Walmor, ao abençoar a todos e todas, retomou versos do Canto de Maria (Magnificat), mãe de Deus: O Senhor derruba do trono os poderosos e eleva os humildes. Sacia de bens os famintos e despede os ricos de mãos vazias.
Cabe lembrar que dia 16 de junho de 2009, a Corte Superior do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, acolheu um Mandado de Segurança em defesa da ocupação Dandara e expediu uma liminar suspendendo a reintegração de posse que o desembargador Tarcísio Martins tinha reabilitado. Ganhamos também uma imagem de Nossa Senhora dentro de um cubo de vidro. Nós a batizamos de Nossa Senhora de Dandara, defensora da função social da propriedade. Conquistar uma liminar em um mandado de segurança foi um milagre, sinal de que Nossa Senhora de Dandara está inspirando e protegendo o povo pobre na luta pela moradia popular e por dignidade.

* Professor da PUC-MG e assessor jurídico da Dandara; pároco da Igreja do Carmo, respectivamente.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Água, direito humano, direito de todos!

A COPASA CORTOU A ÁGUA DE 1.086 FAMÍLIAS do ACAMPAMENTO DANDARA

Frei Gilvander Moreira

“Tive sede e não me destes de beber... Toda vez que deixaste de dar de beber a um desses pequeninos, foi a mim que o deixaste de dar de beber”, disse Jesus. (Mateus 25,42.45).

Na madrugada do dia 09 de abril de 2009, uma quinta-feira santa, cerca de 130 famílias de sem-casa e sem-terra, organizadas pelas Brigadas Populares, Fórum de Moradia do Barreiro e pelo MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – ocuparam um terreno abandonado (cerca de 40 hectares – 400.000 metros quadrados) há mais de trinta anos no bairro Céu Azul, na Nova Pampulha, em Belo Horizonte.
Após cortarem a cerca de arame, dentro de poucos dias já tinham buscado guarida no acampamento 1.086 famílias empobrecidas. Há centenas na fila de espera. Logo pediram, via ofício, à COPASA – Companhia de água e Saneamento de Minas Gerais – que ligassem água no acampamento. Como a COPASA não aceitou ligar a água, os ocupantes fizeram um gato com apenas cinco torneiras para o abastecimento coletivo de todas as 1.086 famílias. Mas eis que no dia 14 de maio de 2009, a Empresa COPASA, com o uso de força policial, efetuou o desligamento da ligação clandestina de água que abastecia o Acampamento Dandara.
Cumpre informar que, no referido acampamento, vivem 1086 famílias que lutam pela conquista de moradia, trabalho e dignidade. São crianças, adultos e idosos privados do bem fundamental da vida, agravando a situação de extrema precariedade das condições sanitárias. O prolongamento dessa situação acarretará a proliferação de doenças infectocontagiosas, casos de desidratação e a piora substancial das condições de higiene. Trata-se, assim, de um caso de saúde pública.
Acrescente-se que essa atitude da Empresa COPASA não se coaduna com os princípios da Constituição da República de 1988, nem dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e nem com a Lei Orgânica do município de Belo Horizonte. Ora, a natureza da posse em nada interfere na concessão do serviço público, sobretudo quando estamos diante de um bem tão essencial como a água, fonte de vida.
O Comitê de Solidariedade Dom Luciano, da Conferência de Religiosos do Brasil - CRB-BH -, enviou carta aberta ao presidente da COPASA dizendo: “Mais de três mil crianças, idosos e trabalhadores estão em situação de extrema penúria. O problema do desligamento da água no Acampamento Dandara, além de ser jurídico, passa ser eminentemente humanitário. Por isso, rogamos encarecidamente que a COPASA religue urgentemente a água e sugerimos que, em caráter provisório, se instale um chafariz ou se coloque tanques para o abastecimento humano. Não se pode matar de sede uma coletividade!”
No princípio era a água; e a água se fez “carne”: criaturas todas do universo. Não somos apenas filhos e filhas da água. Somos mais. Somos água que sente, que canta, que pensa, que ama, que deseja, que cria ... O povo da Bíblia, fruto do encontro ecumênico de inúmeros povos e classes de oprimidos, nasceu de “tribos” que viviam em uma região semi-árida, ou mesmo no deserto. No Oriente Médio, o viver está mais ligado às fontes de água, que são raras, do que apenas à terra no sentido de território.
A água está relacionada com os principais eventos fundantes do povo da Bíblia: na criação, no dilúvio, na saída do Egito, na entrada da terra prometida, etc. Qualquer projeto bíblico só se sustenta perto de fontes de água, de rios ou cisternas. Na Bíblia há uma associação da água com a Palavra de Deus. Ao povo Deus deu água de beber de um rochedo, e durante 40 anos, lhe garantiu o pão de cada dia e a água para beber.
Segundo o relato bíblico de Gênesis 2,1-10.15 a terra é vocacionada para ser um jardim de Deus e o ser humano, um jardineiro. Para povos de regiões áridas, a primeira obra de Deus foi viabilizar a chuva sobre a terra e irrigar uma região quase desértica. Um dia, a falta da água gerou a seca e a fome em toda a região de Canaã. Os hebreus foram obrigados a migrar para o Egito (Gênesis 47). Lá se multiplicaram e foram oprimidos pelo império dos faraós (Êxodo 1). Os hebreus escravos gritaram a Deus e este veio libertá-los, conduzindo-os da escravidão para a terra da liberdade, passando pelo Mar Vermelho que se abriu em duas partes, deixando-os passarem, em meio às águas, a pé enxuto (Êxodo 14). Fato semelhante aconteceu quando, mais tarde, conduzidos por Josué, os hebreus, já reunidos no mesmo povo israelita, atravessaram o rio Jordão, a pé enxuto, para entrar na posse da terra de Canaã (Josué 3-4).
Devemos nos espelhar na hospitalidade de Abraão que oferece água para que seus hóspedes possam lavar os pés (Gênesis 18,1-5); na solidariedade de Jacó que tira a pedra do poço para que Raquel possa dar de beber a seu rebanho (Gênesis 29,10); na decisão de Moisés de garantir o direito à água para as filhas de Jetro (Êxodo 2,16-17); na generosidade da viúva de Sarepta que, em plena seca, não hesita em dar ao profeta Elias um copo de água e um pedaço de seu último pão (1 Reis 17, 10-11); na coragem de Abdias, intendente do palácio do rei Acab, que, mesmo temendo a ira do sistema monárquico, alimenta os profetas com pão e água (1Rs 18,4); na sabedoria do profeta Eliseu que torna potáveis as águas para uso do povo (2Rs 2, 19-21) e que manifesta sua força curando, no Jordão, a lepra do sírio Naamã e fazendo boiar o machado que tinha caído no rio (2 Reis 5,15; 6,6); na ousadia de Judite que sabe burlar a vigilância dos soldados inimigos que controlavam as fontes de águas querendo derrotar o povo pela sede (Judite 7,13-14; 12,7-9). Ao procedermos assim, na gratidão pela água, tornamo-nos água viva. “Aquele que me segue, de seu íntimo jorrarão rios de água viva” (João 7,38).
Rui Nogueira, no artigo “Só bebe se pagar”, reflete:
“Jesus Cristo se aproxima do poço, fonte da água para a região onde está a samaritana. “Só pode beber se pagar”. Descrito deste modo a cena choca. Há quem fique indignado pois não é este o paradigma, o modelo que existe nas nossas mentes. Choca pela figura do Cristo e porque está em confronto com a idéia subconsciente que todos nós temos de que a água é o bem essencial à vida para todos, universal, não pode ser negada.
A figura de Cristo não está ligada à mentalidade mercenária, prova disto é o chicotear dos vendilhões do templo. Para reforçar, no Brasil, prevalece a tradição de nunca se negar um copo d’água ao que tem sede.
Entretanto, as transnacionais trouxeram um novo e absurdo paradigma. “Só bebe se pagar”. Que triste tristeza se encontrar a água, bem essencial à vida e direito humano fundamental transformada em mercadoria. Sempre que as transnacionais avançam nos sistemas de água e conseguem privatizar, por concessões diretas ou comprando ações, os sistemas estatais ou os que tinham gestão comunitária abandonam a prestação de serviços para colocarem as suas atuações no objetivo de “obter resultados financeiros”. Pode-se enfileirar vários exemplos para retratar o desvirtuamento da prestação de serviços para direção dos lucros abusivos para acionistas desligados da nossa realidade.
A COPASA vendeu ações no exterior e hoje tem 75% delas nas mãos estrangeiras. Por ter estabelecido o objetivo de resultados financeiros (está no seu relatório anual publicado nos jornais) nega água para centenas de pessoas moradoras em bairro pobre de cidade do interior recusando-se a fazer a ligação de água mesmo com os encanamentos já instalados. Exige o pagamento de quatrocentos reais para que a ligação seja feita. Comparando municípios sob domínio da COPASA com os que têm a água administrada pelo próprio município as tarifas são até cinco vezes mais caras, mesmo em residências equivalentes. Por que a nossa população tem que ser sacrificada e/ou passar por dificuldades para pagar as contas abusivas que geram resultados que não revertem para as nossas comunidades, estado e País?
A SUEZ (Transnacional de Águas) concessionária de águas na África do Sul, instalou torneiras públicas nos bairros pobres e colocou, ao lado delas, um mecanismo que libera a água mediante a inserção de um cartão pré-pago. A norma é: só bebe se pagar. No Brasil já existe o absurdo sistema pré-pago no serviço de águas de Tocantins. Exploração com o bem fundamental à vida!
Às transnacionais não interessa se criança fica sem água, mães não podem cozinhar, ou não seja possível ter a mínima higiene sem água. Vale, apenas, o fluxo de dinheiro obtido pelo controle de bem essencial à vida. As transnacionais já foram expulsas de várias cidades do mundo e têm que ser impedidas de atuar no Brasil. Água tem que ter gestão comunitária. As transnacionais como grandes anunciantes e controladoras dos meios de comunicação nos iludem com propagandas bonitas e apoio de maus políticos. Fora Transnacionais. Resistir é preciso.”
O sociólogo Maurício Libânio pondera:
“Se para cortar a água que dessedentava as 1.086 famílias de sem-casa e sem-terra do Acampamento Dandara, a COPASA estiver alegando um protocolo assinado com o Ministério Público, que proíbe a ligação de água em ocupações irregulares, a medida é ilegal. A Sílvia Helena, quando era vereadora em Belo Horizonte, em 2004, ano da Campanha da Fraternidade sobre a água, apresentou emenda à Lei Orgânica do Município, artigo 150, estabelecendo que os serviços de saneamento básico independem da regularidade do parcelamento do solo ou da edificação. A medida tem por finalidade garantir água para todos e já foi aprovada pela Câmara e integra a nossa Lei Orgânica. O poder do município vem do fato de ser o poder concedente dos serviços de saneamento na Capital, carecendo à COPASA e ao Ministério Público competência para firmarem termos unilaterais.”
Enfim, parodiando Dom Oscar Romero devemos dizer: “Funcionários da COPASA, vocês não estão obrigados a cumprir uma ordem de superiores que manda cortar água que mata a sede de pessoas pobres, pois essa ordem é contrária à vontade de Deus que quer vida em abundância para todos. Neste caso, o funcionário tem direito de alegar objeção de consciência e dizer: “isso não faço. Minha consciência não me permite.” E agir como o tratorista que ao ouvir gritos de um oficial de justiça, com liminar de reintegração de posse em mãos, e o mandar demolir um barraco de uma família pobre, desceu do trator e disse com lágrimas nos olhos: “Perderei meu emprego, mas jamais passarei o trator em cima da casa de uma família pobre.”

Frei Gilvander Moreira,
e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br
www.gilvander.org.br